Chuvas de verão ameaçam municípios despreparados

Planejamento urbano deve incorporar risco climático e proteção ambiental para que cidades enfrentem os impactos da mudança global do clima, alertam especialistas

Janeiro, 2017 – O verão já começou no Hemisfério Sul e segue até 20 de março. Como acontece todos os anos, a estação é marcada por chuvas de forte intensidade, principalmente nas regiões Sul e Sudeste. Apesar de essas chuvas serem habituais, a maior parte dos municípios brasileiros ainda carece de planejamento urbano adequado, para evitar que elas resultem em enchentes, deslizamentos, entre outros desastres que trazem prejuízos sociais e econômicos. Enfrentar esse cenário – que está sendo intensificado pela mudança climática – é um dos desafios dos novos prefeitos que assumiram as administrações municipais em todo o Brasil neste início de ano.

Panorama of Bangkok city skyline and skyscraper along Chao phraya river in sunset time at Bangkok, Thailand.
Panorama of Bangkok city skyline and skyscraper along Chao phraya river in sunset time at Bangkok, Thailand. Foto: Fotolia

“O que acompanhamos nos últimos anos é que a mudança global do clima contribuiu significativamente para tornar os eventos climáticos extremos mais frequentes e intensos, ou seja, as chuvas e os vendavais estão ficando mais fortes, assim como as épocas de estiagem são mais severas”, afirma o engenheiro florestal André Ferretti, gerente de estratégias de conservação da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e coordenador geral do Observatório do Clima.

Para Ferretti, é certo que haverá cada vez mais episódios de chuvas e ventanias intensas no verão brasileiro, mas esses fenômenos naturais não se transformarão em desastres se houver planejamento urbano que torne as cidades mais adaptáveis aos impactos da mudança global do clima. “Por isso, é imprescindível que os gestores públicos que estão assumindo as administrações municipais incorporem ao planejamento urbano a proteção ambiental e o chamado risco climático”, diz Ferretti.

BURRO SEM RABO
No Centro-RJ, Burro Sem Rabo foi utilizado para fazer transporte de pessoas durante temporal na tarde de ontem(12/01). Foto: JCC.

Prevenir significa, inclusive, economizar recurso financeiro. Segundo estudo divulgado pelo Banco Mundial em dezembro de 2016, os desastres naturais provocados ou intensificados pela mudança do clima causam uma perda anual de 520 bilhões de dólares à economia mundial, levando cerca de 26 milhões de pessoas para abaixo da linha de pobreza todos os anos. A conclusão é que é possível garantir qualidade de vida para a população e ainda evitar perdas ao consumo mundial, se forem aplicadas medidas para tornar as sociedades mais resilientes a eventos climáticos extremos.

“E uma forma segura, inteligente e econômica de se fazer isso é manter os ecossistemas naturais funcionando bem, para que eles contribuam na adaptação das sociedades aos impactos da mudança climática”, complementa Ferretti.

Prevenir é melhor que remediar

Exemplos práticos de como tornar as cidades mais resilientes às chuvas fortes vão do básico tratamento adequado de lixo para não entupir bueiros em dias de chuva até o cuidado para compatibilizar áreas não permeáveis (como calçada e asfalto) com as permeáveis – estas retêm a água da chuva, evitando que inunde as ruas e sobrecarregue dutos de drenagem pluvial da cidade. “Reduzir a impermeabilização do solo é essencial no combate a enchentes, e isso pode ser feito por meio da proteção e recuperação de áreas verdes públicas ou criando hortas e jardins em empresas e residências”, exemplifica a bióloga Juliana Baladelli, analista de projetos ambientais da Fundação Grupo Boticário.

CARRO DEFESA cIVIL
Carro da Defesa Civil fica preso na enchente de ontem(12/01) no Centro-RJ. Foto: JCC

Segundo Baladelli, aliar esse viés de planejamento que considera o risco climático à proteção dos ambientes naturais é o que preconiza o conceito de “Adaptação baseada em Ecossistemas (AbE)”, que vem crescendo mundo afora e é abordado em estudo pioneiro elaborado pela Fundação Grupo Boticário (clique aqui para ler o estudo). As áreas de vegetação nativa protegidas em ambientes urbanos, como as praças e os parques, atendem perfeitamente à estratégia de AbE. Por um lado, elas mantêm os recursos naturais em longo prazo, controlam o microclima local, purificam o ar, protegem os solos, trazem aos bairros valorização imobiliária e proporcionam à população lazer em meio à natureza; por outro lado, impossibilitam a ocupação nas margens de rios, evitando assim que moradias e vidas sejam colocadas em risco.

“É normal que os rios tenham sua vazão aumentada com as chuvas, e se houver construções nas suas margens, elas provavelmente serão inundadas, tornando uma situação comum em algo perigoso; mas, quando a margem dos rios está protegida pela mata ciliar e dentro de um parque urbano, há uma área de segurança que permite o fluxo natural da água, sem prejuízos à cidade”, explica Juliana. Um exemplo é o Parque Barigui, em Curitiba (PR), em que aschuvas fortes podem até alagar a área ao redor do rio, mas por pouco tempo e sem causar dano algum aos visitantes.

Desastres naturais em crescimento

O Atlas Brasileiro de Desastres Naturais, elaborado pela Universidade Federal de Santa Catarina e Defesa Civil, revela que os desastres naturais cresceram no país, seja devido à mudança climáticas ou pela falta de planejamento urbano. Foram mais de 30 mil casos registrados no Brasil no período de 1991 a 2012 e, enquanto em toda a década de 1990 concentrou 22% dos casos contabilizados, este mesmo percentual foi alcançado em apenas três anos, entre 2010 e 2012. Entre os tipos de desastres estão estiagem e seca, inundação e alagamento, granizo, ciclones e vendavais, geada, incêndio florestal e deslizamentos e erosão.

O gerente da Fundação Grupo Boticário, André Ferretti, reforça que a adaptação da sociedade à mudança climática é um processo de longo prazo, mas de grande importância. “Se nada for feito, a tendência é que esses desastres continuem aumentando, colocando em risco a qualidade de vida das pessoas e a disponibilidade dos recursos que sustentam a economia”, conclui.

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