Por Luciana Gurgel
Fevereiro, 2021 – A decisão do Facebook de proibir compartilhamento de links de notícias na Austrália por ser opor à regulamentação do pagamento por conteúdo jornalístico que entrou em vigor nesta quinta-feira (18/2), foi recebida como declaração de guerra.
O Primeiro-Ministro Scott Morrison reagiu com dureza, chamando a empresa de “arrogante”. E anunciou que vai engajar outros líderes globais na luta contra o gigante digital.
A proibição enfureceu o país porque envolveu também os serviços de saúde e emergência, e não apenas conteúdo de empresas jornalísticas.
Segundo o Sydney Morning Herald, Scott Morrison, que desfruta de altos índices de popularidade, disse já ter conversado com o líder indiano Narendra Modi, em um primeiro movimento para impedir o Facebook de “intimidar governos eleitos”.
Morrison usou o próprio Facebook para se manifestar sobre a proibição, com uma postagem que não deixa dúvidas sobre as intenções de encarar a briga.
As ações do Facebook para deixar a Austrália hoje, cortar os serviços de informação essenciais sobre saúde e emergência, foram tão arrogantes quanto decepcionantes. Estou em contato regular com os líderes de outras nações sobre estas questões.
Essas ações só confirmam as preocupações que um número crescente de países expressam sobre o comportamento das empresas BigTech que pensam que são maiores do que os governos e que as regras não devem ser aplicadas a elas. Eles podem estar mudando o mundo, mas isso não significa que o dirijam.
Não seremos intimidados pela BigTech a tentar pressionar o nosso Parlamento à medida que vota no nosso importante Código de News Media Barganing. Assim como não nos intimidamos quando a Amazon ameaçou deixar o país e quando a Austrália uniu outras nações para combater a publicação de conteúdo terrorista nas plataformas de redes sociais.
Encorajo o Facebook a trabalhar construtivamente com o governo australiano, fazendo como o Google que tem demonstrado agir de boa-fé”.
O movimento do Facebook foi arriscado e solitário. Nos últimos dias, o Google fechou acordos milionários com as principais empresas de mídia australianas – Seven West, Nine e a gigante News Corp., do magnata Rupert Murdoch – para incluir o conteúdo por elas produzido no News Showcase. E depois de conversas entre os CEOs do Google e do Facebook e o Governo australiano, o Ministro do Tesouro anunciou flexibilizações na lei que está no Parlamento e deve ser votada nos próximos dias.
Em seu comunicado, o FB disse:
“A lei proposta interpreta mal a relação entre nossa plataforma e os editores que a usam para compartilhar conteúdo de notícias. Isso nos deixou diante de uma escolha difícil: tentar cumprir uma lei que ignora a realidade dessa relação ou parar de permitir conteúdo de notícias em nossos serviços na Austrália. Com o coração pesado, estamos escolhendo o último. ”
E explicou em que consistia a proibição:
Para editores australianos, isso significa:
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- Eles estão proibidos de compartilhar ou postar qualquer conteúdo nas páginas do Facebook
- Os administradores ainda poderão acessar outros recursos de sua página do Facebook, incluindo informações da página e Estúdio de Criação
- Continuaremos a fornecer acesso a todos os outros serviços padrão do Facebook, incluindo ferramentas de dados e CrowdTangle
Para editores internacionais, isso significa:
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- Eles podem continuar a publicar conteúdo de notícias no Facebook, mas links e postagens não podem ser visualizados ou compartilhados pelo público australiano
Para nossos usuários australianos, isso significa:
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- Eles não podem visualizar ou compartilhar conteúdo de notícias australiano ou internacional no Facebook ou conteúdo de páginas de notícias australianas e internacionais
Para nossos usuários internacionais, isso significa:
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- Eles não podem visualizar ou compartilhar conteúdo de notícias australianas no Facebook ou conteúdo de páginas de notícias australianas
A inclusão dos serviços essenciais enfureceu ainda mais, com revolta generalizada na imprensa local.
O banimento removeu postagens do Bureau de Meteorologia, departamentos de saúde estaduais, serviços de bombeiros e resgate, instituições de caridade e serviços de crise, como Suicide Prevention Australia, 1800Respect e Break the Silence Against Violência doméstica.
A SA Health – que tem mais de 305.000 seguidores no Facebook – respondeu com um comunicado dizendo que havia sido “apanhada nas restrições do Facebook que surgiram durante a noite para os meios de comunicação australianos”.
A empresa, que tem 17 milhões de usuários na Austrália, respondeu a uma enxurrada de reclamações admitindo que havia cometido um erro e prometendo restaurar as páginas “impactadas inadvertidamente”.
O Facebook também esnobou a imprensa australiana avisando que não vai lançar no país o Facebook News, já ativo no Reino Unido e nos Estados Unidos. No comunicado publicado no blog, o diretor da plataforma para a Austrália, William Easton, disse que diante da situação, o Facebook “vai priorizar outros países em seu programa de notícias e experiências de licenciamento”.
Espaço aberto para a desinformação
Nas mídias sociais e nos jornais australianos, o risco de a decisão do Facebook ser um presente para os que propagam teorias conspiratórias foi um tema frequente. Sem o conteúdo confiável do jornalismo profissional à disposição, os usuários da rede ficariam mais sujeitos a serem expostos à desinformação.
A editora do Sydney Morning Herald, Lisa Davies, descreveu a mudança como uma “birra”, em um post no Twitter:
Em entrevista à BBC News, a diretora da Human Rights Watch na Austrália disse que o Facebook está censurando o fluxo de informações no país, no que classificou de”virada perigosa nos acontecimentos”.
“Cortar o acesso a informações vitais para um país inteiro na calada da noite é injusto”, disse Elaine Pearson.
O Governo australiano acredita que o chefe do Facebook, Mark Zuckerberg, vai retomar as negociações sobre a lei, apesar de sua repentina mudança para encerrar o conteúdo para milhões de seus próprios clientes, mas também está se preparando para uma batalha prolongada, se necessário.
Matéria publicada na tarde de quinta-feira (18) pelo The Guardian revelou que o Ministro do Tesouro da Austrália, Josh Frydenberg, disse ter tido mais cedo conversas construtivas sobre a regulamentação com CEO do Facebook, Mark Zuckerberg. Mas ele teria indicado que o governo não estava disposto a mudar a proposta.
O Ministro disse ao jornal que Zuckerberg expressou suas preocupações com aspectos da lei e para a interpretação de alguns de seus elementos. E que o CEO ficou de voltar com algumas opiniões mais ponderadas.
“Vamos ouvi-lo e discutir isso com o primeiro-ministro e com nossos colegas. E vamos tomar decisões então. Mas estamos comprometidos com o código”, afirmou o Ministro ao Guardian.
A legislação foi aprovada na Câmara dos Representantes na noite de quarta-feira e será debatida pelo Senado em breve. O governo pode buscar fazer emendas dependendo do resultado das negociações com o Facebook – que podem trazer as notícias de volta à plataforma.
Mas, por enquanto, o Facebook não mostrou qualquer disposição de recuar, exceto para desbloquear páginas administradas pelo governo.
E vai ser uma batalha solitária para o Facebook, porque tanto o Google (elogiado pelo Primeiro-Ministro) como a Microsoft, que há duas semanas anunciara apoio à nova lei, dão sinais de que entenderam que a briga pode não valer a pena.