Por Paula Lunardelli
Junho, 2021 – Desde março de 2020, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) determinou a situação de pandemia mundial de Covid-19, empresas de diversos setores se mobilizaram para ter uma atuação mais digital. Ações como trabalhar remotamente e aderir a novas tecnologias tornaram-se necessidades. De acordo com o Índice CESAR de Transformação Digital (ICTd), realizado em 2020, mais de 70% das empresas entrevistadas desejam investir na digitalização de suas empresas. Entretanto, como engenheira, CEO de uma construtech (startup de tecnologia para a construção civil) e diretora da Vertical de Construção Civil da Associação Catarinense de Tecnologia (ACATE), vejo que, apesar das evoluções, este é um setor que ainda apresenta certa resistência em aderir a novas tecnologias e digitalizar processos.
Um exemplo prático da tendência pelo tradicional, que existe na construção civil, é o uso expressivo da centenária metodologia do diagrama de Gantt. Quando digo que ela tem mais de 100 anos, acredite, não é uma figura de linguagem, já que Henry Gantt lançou seu famoso diagrama em 1903. Após 118 anos de uso, quase exclusivo, da metodologia que permite planejar etapas de produção de obras, o setor ainda segue utilizando a mesma ferramenta para gestão de obras. Apesar da máxima ‘em time que está ganhando não se mexe’, é difícil acreditar que em quase 120 anos, nada mudou na construção civil.
Não estou falando, necessariamente, de técnicas de trabalho para o canteiro de obras. Meu foco é em tecnologias que facilitem o dia-a-dia do gerenciamento de projetos. E, nesse ponto, farei uma breve recapitulação histórica. Em março de 1930, o Empire State Building começou a ser construído com uma técnica diferente da Gantt. O planejamento da obra utilizava uma filosofia de produção em linha de montagem ou de balanço, com o pavimento do edifício como unidade de controle. Constantemente, o trabalho era monitorado e o controle da obra era intenso, com produção feita andar por andar. Como resultado, o prédio de 102 andares foi concluído em 18 meses. Desde então, a chamada Linha de Balanço vem sendo estudada e explorada por diversos engenheiros.
André Monteiro e João Poças Martins, autores do artigo “Linha de Balanço — Uma Nova Abordagem ao Planejamento e Controlo das Actividades da Construção”, publicado pela Faculdade de Engenharia da Cidade do Porto, afirmam que a baixa adesão ao modelo está limitada a falta de softwares que otimizem e coloquem em prática a técnica existente. E, por mais improvável que possa soar, em 2015 esta ainda era a realidade do Brasil.
Este foi o ano em que eu, Paula, e Yan Bedin, também engenheiro, trabalhávamos em uma construtora que teve seu orçamento mensal de obra reduzido em 75%. Nós precisávamos reajustar o planejamento da forma mais eficiente possível, dentro da nova limitação orçamentária. Neste momento, buscamos por softwares brasileiros que utilizassem a técnica Linha de Balanço, e não encontramos nada que pudesse resolver nosso problema.
Apesar do método de Gantt permitir o desenvolvimento de um planejamento de obra, a metodologia tem algumas limitações, como dificuldade em gerenciar projetos com muitas etapas e alto detalhamento de processos. Desta forma, com a literatura existente sobre Linha de Balanço, conceitos de construção enxuta e os conhecimentos do cientista da computação Thiago Senhorinha Rose, fundamos a Prevision e criamos um software que permite concluir obras com até 25% de antecedência.
Especialmente neste ano, com um olhar de empreendedora no setor da construção civil, tenho a absoluta certeza que o mercado pede por mudanças inovadoras. Além da Prevision, há outras 838 startups dos setores de construção civil e imobiliário atuantes no Brasil. O levantamento, publicado pela Terracotta Ventures no Mapa das Construtechs e Proptechs 2021 também aponta um aumento de 235% em relação ao primeiro levantamento realizado há quatro anos, em 2017.
Mudanças não são imediatas, principalmente quando envolvem um setor ainda muito tradicional, mas existem muitas iniciativas brasileiras, como hubs tecnológicos, buscando novas e melhores soluções para problemas antigos. Talvez, o que falta para o setor aderir inovações a nível cultural é criar meios para a mudança. Com criações do zero e soluções inéditas ou, até mesmo, uma forma de migrar tecnologias ultrapassadas para as mais atuais. Seja como for, o setor não pode esperar outros 100 anos para aderir à transformação digital. É melhor nos apressarmos, porque o futuro da construção civil está logo aí.
Paula Lunardelli, CEO da Prevision, construtech para gestão eficiente de obras, e Diretora da Vertical de Construção Civil da Associação Catarinense de Tecnologia (ACATE)