Em um contexto no qual as mulheres ainda ocupam a maior parcela do emprego informal e convivem diariamente com o machismo estrutural, o processo de construção e operação das barragens se instaura aprofundando as desigualdades, aumentando a pobreza e violando direitos humanos. É das beiras dos rios, da produção camponesa, das florestes, do trabalho urbano, do trabalho informal, do desemprego e das mais diversas realidades que as mulheres atingidas por barragens resistem à opressão do capital sobre seus territórios e seus modos de vida.
A organização das mulheres dentro do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) vem denunciando que o modelo de construção e operação das barragens se estrutura na lógica da exploração da natureza e na violação dos direitos humanos e, de maneira mais cruel, sobre os direitos das mulheres.
Foram identificados seis eixos principais de violações contra as mulheres que se repetem nos lugares onde há implementação de uma barragem. O primeiro está relacionado ao mundo do trabalho, porque o ofício das mulheres, de forma geral, é invisibilizado, ou seja, não é reconhecido como uma fonte legítima de renda e de manutenção da economia local. Consequentemente, elas não são indenizadas pelas perdas geradas pela construção ou rompimento de barragens.
Outro eixo é o da participação política. Nos processos de reparação dos impactos causados pelas barragens, as mulheres não são vistas como sujeitas de direito. Por isso, suas vozes não são ouvidas nos espaços deliberativos. Isso porque há ainda uma relação preconceituosa das empresas que não reconhecem as atingidas como interlocutoras da comunidade e se utilizam do conceito patrimonialista e patriarcal para o reconhecimento de quem é atingido.
Também é preciso considerar a perda dos laços comunitários e culturais cultivados pelas mulheres por conta do deslocamento compulsório que decorre da construção e dos rompimentos de barragens, desestruturando as redes de apoio e de solidariedade que elas cultivam com suas vizinhas e familiares próximas.
Precarização das políticas públicas
Há ainda a perda de qualidade das políticas públicas de saúde e educação que se tornam mais precárias com o inchaço populacional provocado pela construção das barragens. Neste contexto, as atingidas identificaram que há um expressivo aumento dos conflitos familiares, dos casos de violência doméstica contra as mulheres e de exploração sexual nos territórios afetados pelas barragens.
Diante destas violações, as mulheres costuram resistências, defendendo a vida e reivindicando a aprovação da Política Nacional dos Direitos das Populações Atingidas (PNAB), conhecida como Projeto de Lei 2788/2019, que será que será votado em breve na Comissão de Infraestrutura do Senado Federal.
Reparação dos danos específicos para mulheres e grupos minoritários
O atual texto da PNAB prevê a construção de programas de assistência especificamente dirigidos às mulheres, aos idosos, às crianças, às pessoas com deficiências ou em situação de vulnerabilidade, às populações indígenas e às comunidades tradicionais e de pescadores e pescadoras artesanais.
O PL também prevê que os impactos causados aos modos de vida comunitários, como o rompimento de laços familiares, culturais e redes de apoio, devem ser indenizados. Além disso, a PNAB supera o conceito patrimonialista sobre as terras e moradias atingidas.
A construção de programas específicos para mulheres abre a possibilidade de reparação e mitigação das violações de direitos humanos aqui apresentadas. Por isso, a aprovação do atual texto sem reduções representa um marco normativo fundamental para a proteção dos direitos das mulheres atingidas.