A partir de uma Representação protocolada pelo Movimento Baía Viva durante na última sexta-feira (5 de março) o Ministério Público do Estado (MP-RJ) através do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa do Meio Ambiente e do Patrimônio Cultural, coordenado pelo Promotor de Justiça José Alexandre Maximino Mota, informou que nos próximos dias notificará todas as 92 Prefeituras fluminenses e as Concessionárias públicas (CEDAE e Sistemas Municipais de Água e Saneamento) e privadas de saneamento que operam Estações de Tratamento de Esgotos (ETEs) nestes municípios para que cumpram a Lei Estadual nº 9055/2020, que estabeleceu o prazo de 6 meses para que as Estações de Tratamento de Esgotos (ETEs) deixem de receber chorume para sua diluição (esse prazo termina mês que vem – 8 de Abril). Já a Lei Estadual nº 8298 de 21/01/2019 exige que cada Aterro tenha seu próprio sistema de tratamento de chorume.
Veja abaixo a mensagem enviada pelo Ministério Público ao Baía Viva.
Além do MP-RJ, a denúncia foi encaminhada com pedido de providências para o Ministério Público Federal-RJ diretamente aos Procuradores da República Sergio Gardenghi Suiama e Jaime Mitropoulos.
De acordo com Sérgio Ricardo, co-fundador do Baía Viva: “A origem da atual Crise do Chorume não tratado na escala estadual ou regional, teve sua origem em 2012 quando às vésperas da Conferência Internacional RIO+20, a Secretaria Estadual do Ambiente (SEA juntamente com o INEA-RJ decidiram declarar como “desativados” quase a totalidade dos lixões do estado, assim como licenciaram às pressas novos grandes aterros sanitários, sem à época ter exigido das prefeituras e das concessionárias privadas que operavam estes empreendimentos a obrigatória instalação de sistema adequado de tratamento do chorume.
O resultado desta verdadeira fraude no processo de licenciamento ambiental é que atualmente há um volume acumulado de aproximadamente 500 milhões de litros de Chorume (500 mil m3) que se encontra armazenado (estocado) de forma precária e insegura em grandes lagoas ou tanques de acumulação localizadas em vários aterros sanitários licenciados, em aterros controlados e/ou em lixões “desativados” localizados em diversos municípios fluminenses.
Através de diversas Representações, temos alertado o MP-RJ e o MPF-RJ que boa parte dessas lagoas de acumulação de chorume foram construídas depois de emitidas as Licenças de Operação (LO) pelo INEA e, portanto, não estavam programadas no EIA/RIMA dos próprios aterros sanitários, o que constitui um grave risco ambiental.
Apenas na Região Metropolitana há uma produção estimada de 6.000 m3 diários de chorume, sendo que deste montante mais de 3.000 m3 diários (algo entorno de 3.340.000 L/dia), oriundos de vazadouros e aterros controlados, tem sido drenados sem tratamento para as águas da Baía de Guanabara que recebe por ano o despejo ilegal de 1 BILHÃO DE LITROS DE CHORUME POR ANO -, o que caracteriza a existência de um gigantesco passivo ambiental acumulado em diferentes municípios, que vem provocando a poluição da águas (rios e poços artesianos), manguezais e praias, além de prejudicar a pesca e representar riscos à saúde da população.”
Até 2016 pelo menos a metade de todo o chorume gerado em 19 aterros sanitários licenciados no território fluminense seguiam para mera diluição em ETEs operadas por concessionárias públicas e privadas, cujo volume aproximado era de 1 milhão de litros de chorume por dia que estavam sendo transportados perigosamente por caminhões até as ETEs de diversos municípios.
Entre as concessionárias privadas que serão notificadas para se enquadrarem na legislação em vigor, destacam-se:
– Concessionária Águas de Niterói S/A: recebe o chorume na ETE Icaraí oriundo do Aterro do Morro do Céu num volume estimado de 118 milhões de litros de chorume não tratado (cerca de 9.840 mil litros de chorume por mês), que gera um efluente poluente, tóxico e perigoso a saúde humana e ao meio ambiente. E que ameaça poluir as praias litorâneas.
– Concessionária Águas do Imperador: recebe na ETE Quitandinha o chorume do Aterro Sanitário de Pedro do Rio (Petrópolis) que recebe 250 toneladas de lixo por dia. Até 2013 o aterro operava sem licença ambiental e descartava irregularmente lixo hospitalar, para diluição em sua Estação de Tratamento de Esgotos que tem capacidade de processar processar 13 milhões de litros de esgoto por dia.
– Concessionária PROLAGOS: recebe chorume do Aterro Dois Arcos (São Pedro D´Aldeia);
– CEDAE: recebe na ETE Alegria e na ETE Pavuna-Sarapuí o chorume de diversos de diversos aterros sanitários, sobretudo do CTR Santa Rosa (Seropédica) que transporta 260 mil litros de chorume por dia para a ETE Alegria (CEDAE) localizada no bairro do Caju, percorrendo 80km de distância. Este mega aterro sanitário que recebe 9 a 10 mil toneladas de lixo por dia da Capital, produz um volume estimado de 1,2 a 2 milhões de litros de chorume ao dia.
– Concessionária Águas do Paraíba: a concessionária privada que opera em Campos dos Goytacazes é ligada ao poderoso Grupo Águas do Brasil e recebe chorume para diluição em suas ETEs.
– Concessionária PROLAGOS: o Aterro Sanitário Dois Arcos, localizado em São Pedro D´Aldeia, que atende vários municípios da Região dos Lagos, produz diariamente um volume de 150 a 200 m3 de chorume, ou seja aproximadamente de 4,5 a 6 mil m3/mês, que é transportado para tratamento em ETEs da concessionária PROLAGOS provavelmente na ETE de São Perro da Aldeia. A concessionária dispõe de 4 ETES: ETE Búzios, ETE Monte Alto, ETE Iguaba e ETE São Perro da Aldeia.
No caso da ETE São Pedro, deve-se averiguar se recebe ou não o chorume do aterro Dois Arcos. Em caso afirmativo devem apresentar a licença que autoriza o recebimento de chorume e o volume recebido diariamente.
O resultado do monitoramento da qualidade das aguas da Bacia do Rio Una depende das analises do efluente tratado sobretudo da ETE Buzios. No caso das ETEs São Pedro e Iguaba, os pontos de descarga provavelmente contribuem para a poluição da Lagoa de Araruama. Enquanto a ETE Monte Alto deve lançar na lagoa ou no oceano.
Desconhecemos se a concessionária Consórcio Juturnaíba também faz esta inadequada “diluição” de chorume em suas ETEs, o que deveria ser averiguado pelo MP-RJ e o MPF.
– Macaé: o município tem dois aterros sanitários, sendo que o antigo Aterro Sanitário da cidade recebe cerca de 235.000 t de lixo/dia [e gerido pelas empresas RIWASA / LIMPATECH.
O novo aterro privado de propriedade da empresa ESSENCIS é situado em área rural do 1° distrito de Macaé, sendo que a bacia hidrográfica mais próxima deste aterro é o córrego de Ubá, um pequeno córrego que se dista 670m da área do aterro.
– Rio das Ostras: em Junho de 2019, o aterro sanitário de Rio das Ostras, que recebia cerca de 190 mil toneladas de lixo doméstico por dia, foi interditado pelo Instituto Estadual do Ambiente (INEA) que constatou vazamento de chorume in natura e adulteração de informações do transbordo de materiais.
O Município opera 6 (seis) bolsões (geobag), cada um deles com capacidade de armazenar 60.000 litros de lodo, que é a mistura de chorume dos resíduos sólidos com o esgoto doméstico, que em caso de rompimento do geobag pode provocar um dano ambiental irreparável, com impacto na biodiversidade e até mortes de pessoas e vitimando os operários que trabalham no local. Estima-se que a ETE recebe entre 10 e 15 caminhões do material diariamente.
IMPACTOS DO CHORUME NÃO TRATADO NO MEIO AMBIENTE, CORPOS HÍDRICOS E Á SAÚDE HUMANA
O chorume é um líquido escuro e altamente tóxico, resultante do processo de decomposição do lixo.
A literatura científica disponível deixa claro que as operam Estações de Tratamento de Esgotos (ETEs) não são adequadas para receber esgoto.
Entre as substâncias tóxicas encontradas no chorume que não são tratadas nas ETEs destaca-se o Nitrogênio Amoniacal (N-NH4) que é um nutriente que produz a proliferação de uma microbiologia que consome o oxigênio dissolvido nos corpos hídricos, o que vai impactar diretamente toda a cadeia alimentar, além de também impactar a qualidade de vida dos peixes e da água.
È necessário também investigar os aspectos epidemiológicos e de riscos à saúde humana, em função dos conhecidos efeitos deletérios do nitrogênio presente no chorume: o nitrato é tóxico e acusa a doença denominada metaemoglobinemia infantil, que é letal para crianças.
Por sua vez, a amônia é um tóxico bastante restritivo à vida dos peixes; provoca consumo de oxigênio dissolvido das águas naturais ao ser oxidada biologicamente.
Por isso, contata-se que durante anos, ao invés de um efetivo tratamento e destino final do chorume gerado em aterros sanitários e/ou lixões, o que vinha ocorrendo em muitas cidades era um falacioso processo de “co-tratamento”, já que na verdade tratava-se da mera “diluição” de chorume em esgotos nas ETEs, o que sabe-se tem sido uma prática evitada em diversos países devido aos efeitos negativos da presença de amônia, de elevadas cargas de nitrogênio, de compostos biologicamente recalcitrantes e eventualmente de metais pesados que reduzem a performance e eficácia das ETEs convencionais, além de comprometerem significativamente a qualidade do efluente tratado.
Além do mais a elevada concentração de nitrogênio registrado no chorume de muitos aterros sanitários pode representar a duplicação, ou mais, da carga nitrogenada aplicada à ETE. Uma forma de nitrogênio com PH mais elevado é o amoníaco que é altamente tóxico, por ex. para peixes.
Outra forma perigosa que surge tipicamente em caso de oxidação parcial nas ETEs é o nitrito, o qual tem efeito inibidor da flora microbiana presente nas etapas de tratamento biológico e, assim, prejudica o funcionamento, rendimento e performance da própria ETE.
Há, portanto, até o momento, um flagrante e ilegal descumprimento das normas de descarga do efluente tratado e de transferência de contaminantes para o solo, a cadeia trófica e ao meio hídrico em geral. Isto coloca em perigo severo a saúde pública, por transferência de contaminantes para a cadeia alimentar, a qualidade ambiental e os ecossistemas, designadamente através da contaminação de aquíferos e eutrofização de massas de água superficiais. Frisa-se que a legislação ambiental proíbe a diluição de efluentes, exige seu devido tratamento e isso deve ser observado com todo o rigor.
Sobre os impactos na saúde gerados pelo chorume recomendamos a leitura da reportagem “Consequência de tratamentos ineficientes de efluentes domésticos ou industriais” publicado na Revista Galileu em 07/02/2021:
Fonte: Movimento Baía Viva