Por Alessandra Murteira, /FUP
Em entrevista à imprensa da FUP, a pesquisadora do Ineep, Carla Ferreira, explica as razões da disparada dos preços dos combustíveis e afirma que há alternativas que a Petrobrás poderia implementar para diminuir o impacto no mercado interno dos constantes reajustes do petróleo
ICMS e outros impostos, preços internacionais, dolarização, importação… Afinal, o que faz o preço dos combustíveis disparar, mesmo o Brasil tendo petróleo e refinarias com capacidade de abastecer o país? Há alternativas para conter a alta constante e a volatilidade dos preços? Como é o reajuste dos derivados de petróleo em outros países?
Em entrevista à FUP, a socióloga Carla Ferreira, pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), explica as razões da disparada dos preços dos combustíveis.
“O ICMS, por exemplo, apontado como vilão, é um percentual do preço final”, alerta, ressaltando que o preço dos derivados nas refinarias é o que guia o valor que o consumidor paga nos postos de revenda, seja da gasolina, do diesel ou do gás de cozinha. “Se se considera uma alíquota média dos estados, tendo em vista que os entes têm autonomia para definição da alíquota, observa-se que não houve alteração nos últimos anos. Então não seria esta a parcela que justificaria os aumentos”, afirma.
Mestre em Ciências Sociais, Carla já foi pesquisadora do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), entre 2010 e 2018, e hoje desenvolve pesquisas na área de Finanças Públicas e Orçamento Público.
Ao comparar a atual política de Preços de Paridade de Importação (PPI), adotada pela gestão da Petrobrás em outubro de 2016, com as políticas de reajuste de derivados praticadas pelas gestões anteriores da empresa, ela explica que a principal diferença é que hoje o repasse de preços internacionais é feito no curto prazo, enquanto que “em momentos anteriores pautava-se na variação de longo prazo do preço do barril de petróleo”.
“O argumento que se apresenta é que, por se tratar de uma commodity, o petróleo e seus derivados deveriam seguir a lógica dos preços internacionais. Isso faria sentido se o Brasil fosse dependente exclusivamente de petróleo e derivados importados, o que não é o caso. Quando se olha para a experiência internacional, observa-se que outros países produtores se utilizam de instrumentos fiscais, das exportações de petróleo e das empresas estatais para suavizar os repasses do preço internacional ao mercado interno”, revela.
Leia a íntegra:
O presidente da Petrobrás alega que a empresa recebe apenas R$ 2 pelo litro da gasolina, que beira os R$ 7 nas bombas. A estatal está sendo acusada de propaganda enganosa por conta disso. Bolsonaro, por sua vez, joga a responsabilidade para os governos estaduais e diz que é preciso reduzir o ICMS. Afinal, de quem é a culpa dos aumentos constantes nos preços dos combustíveis?
Para entender o recente movimento de alta nos preços dos combustíveis é importante entender a composição dos preços. No caso da gasolina, o preço final que o consumidor encontra na bomba é composto pelo preço do produtor/importador, pelos tributos federais (Cide, PIS/PASEP e Cofins), pelo ICMS – imposto estadual –, pelo custo do etanol anidro – que compõe a mistura em 27% – e pelas margens da distribuição e da revenda. Ao abrir este preço e observar o movimento de cada um destes elementos, concluímos que o componente que mais tem pressionado o preço final, no último período, é exatamente o preço do produtor/importador, que hoje representa 33,4% do preço no posto.
O movimento de alta nos preços do produtor, que pressionam o preço final dos combustíveis, se dá em função da política de preços de paridade de importação (PPI) adotada no final de 2016 pela gestão de Pedro Parente na Petrobras e mantida, ainda que com frequência de reajustes distintas, pelas gestões subsequentes, chegando a atual, de Silva e Luna. De acordo com esta política, os preços dos derivados na refinaria devem seguir o movimento dos preços internacionais do barril de petróleo, considerando ainda os custos logísticos envolvidos na importação e transporte dos produtos. Em função do preço do barril ser cotado em dólar, o câmbio também é um elemento importante na dinâmica do preço. Basicamente esta política de preços é estruturada como se o país fosse em grande medida dependente das importações, ignorando assim, que o Brasil seja um dos maiores produtores de petróleo do mundo.
Diante da manutenção desta política de preços pela atual gestão da Petrobras e tendo em vista o mercado internacional de petróleo aquecido combinado ao câmbio desvalorizado, temos acompanhado as constantes altas nos preços internos. Somente este ano (2021), o preço da gasolina praticado pela companhia aumentou 63%. E, este preço é que acaba guiando o preço da bomba. É o elemento que mais contribui, além de ser o de maior volatilidade.
Em relação aos outros componentes: o ICMS, por exemplo, apontado como vilão, é um percentual do preço final. Se se considera uma alíquota média dos estados, tendo em vista que os entes têm autonomia para definição da alíquota, observa-se que não houve alteração nos últimos anos. Então não seria esta a parcela que justificaria os aumentos. Claro que, com o aumento da base de cálculo – o preço final – a arrecadação do imposto aumenta. O etanol tem sofrido pressão recente nos preços em função de questões climáticas que afetaram as lavouras, mas este também não explica o grosso do aumento. Os tributos federais não se alteram já há alguns anos e são valores fixos no preço por litro. Em relação às margens, pode ocorrer o que se conhece como “efeito carona”. As distribuidoras e revendedores se aproveitam de movimentos de alta para incrementar suas margens. Mas mesmo que se acompanhe estes processos, atualmente não são os elementos da formação do preço que tem determinado as crescentes altas, além do que nenhum destes elementos sofrem a mesma volatilidade que o preço praticado atualmente pela gestão da Petrobras. O elemento determinante é mesmo o preço do produtor, definido pela política do PPI, mantida pelas últimas gestões da companhia.
Como funcionava os reajustes de derivados na Petrobrás antes da implantação da paridade de importação e por que a política anterior foi alterada?
Antes da adoção do Preço de Paridade de Importação (PPI), houve algumas outras experiências de gestão do preço dos combustíveis que tiveram maior êxito na manutenção do não repasse ao mercado interno da volatilidade característica do mercado de petróleo. Entre 2004 e 2008, por exemplo, a gestão da Petrobras se referenciava no preço internacional do barril de petróleo no longo prazo, com vistas a tentar antecipar as alterações do preço do barril e, assim, suavizar os repasses internos. Ou seja, diferente do que tem sido implementado hoje, de repasse de movimentos de preços internacionais no curto prazo, em momentos anteriores pautava-se na variação de longo prazo do preço do barril de petróleo.
Além disso, neste mesmo período, propunha-se uma lógica diferente do que se observa hoje, de maximização da utilização do parque de refino para atendimento do mercado interno e, com isso, redução da dependência da importação de combustíveis, objetivando assim, um menor impacto do mercado internacional nos preços internos dos derivados. Em sentido oposto, as últimas gestões fizeram movimentos de subutilização da capacidade de refino das refinarias e abriram mercado para ampliação das importações. Segundo levantamento do Ineep, entre 2015 e 2017, houve aumento de 30% no número de empresas importadoras autorizadas a operar no Brasil.
A mudança da política se dá em conjunto com a alteração do projeto de empresa que se assumiu com a nova gestão da Petrobras a partir de 2016. A partir deste novo direcionamento, organiza-se processos de privatizações e redução de investimentos. Além disso, de uma empresa que se pretendia nacional, verticalizada e parte do processo de desenvolvimento, configura-se um projeto de empresa focada no E&P, principalmente no pré-sal, direcionando-se para o retorno de curto-prazo, com foco da maximização da distribuição de dividendos, que se sobrepõe ao caráter estatal da companhia.
A FUP e seus sindicatos sempre se posicionaram contra o Preço de Paridade de Importação (PPI) e cobram que o reajuste de derivados essenciais, como o gás de cozinha, o diesel e a gasolina, seja feito com base nos custos nacionais. Há alternativas viáveis para que a Petrobrás volte a ter uma política de preços semelhante à dos anos 2000?
Recentemente (03/03/2021), o Ineep publicou um artigo que expõe algumas alternativas para condução de uma política de preços, que limite as constantes altas, conforme ocorre hoje. A primeira delas, de cunho fiscal, seria a adoção de um tributo sobre os combustíveis de alíquota variável. Assim, quando o preço internacional do barril aumentasse, haveria redução da alíquota e, em movimento contrário, quando o preço internacional reduzisse, a alíquota poderia ser ampliada. Desta forma seria possível atenuar os impactos da volatilidade do preço internacional. De acordo com o artigo do Ineep, o próprio Ministério da Fazenda elaborou, em 2018, um estudo sugerindo um “Mecanismo Automático de Amortecimento de Preços” utilizando a Cide, que aliás, tinha esse objetivo quando foi criada, mas nunca chegou a ser usada como instrumento deste tipo.
Outra alternativa seria a criação de um fundo de estabilização que poderia ressarcir os produtores e distribuidores, em momento de alta elevada dos preços. Com o aumento das exportações, esse fundo poderia ser formado pela adoção de um imposto de exportações, que teria um caráter progressivo, ou seja, uma alíquota atrelada às cotações do barril do petróleo. Ainda seria importante a criação de um estoque regulador de etanol, para evitar que os usineiros especulem entre a produção de açúcar e etanol como aconteceu no governo Dilma e vem acontecendo agora.
Por último, seria possível a utilização, como parâmetro de reajuste dos preços da Petrobrás, de uma cotação dos preços dos derivados no mercado interno, para além da referência única no PPI. Assim, seria considerado também, o custo do refino na estatal acrescido de uma margem de remuneração do acionista.
No caso do gás de cozinha, o governo Bolsonaro acabou com o subsídio que havia sido criado em 2005 pelo governo Lula, com o objetivo de beneficiar famílias de renda mais baixa. O GLP já acumula mais de 100% de aumento nas refinarias só no governo Bolsonaro. Como o Ineep analisa essa trajetória crescente dos reajustes? Qual a relação entre essa paridade automática de preços e o interesse na privatização da Petrobrás já manifestado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes?
A política de preços do GLP passou a ser atrelada ao PPI, conforme ocorre com o diesel e a gasolina, a partir de 2017. Neste momento os preços do gás de cozinha na refinaria passaram a ser reajustados mensalmente. Em 2018, a gestão da Petrobras alterou o intervalo e passou a reajustar os preços do GLP trimestralmente, adotando como base uma média móvel de 12 meses. Tal medida foi encerrada em 2019, quando os preços do GLP passaram a ser reajustados sem uma periodicidade definida, mas com uma frequência muito maior do que se observava historicamente. Tais alterações, combinadas com o fim dos subsídios, implicaram no aumento significativo do preço, chegando aos maiores patamares das últimas duas décadas, impactando de forma expressiva na renda das famílias.
Pode-se dizer que tal movimento se relaciona ao processo de privatização por dois fatores: primeiro porque atrelar os preços internos aos preços do mercado internacional permite que a empresa maximize seus ganhos com a venda dos derivados e, desta forma, amplie a distribuição dos dividendos repassados aos acionistas, em sua maioria privados. Segundo porque propicia a atratividade dos ativos do refino para a venda. Na visão privatista, a garantia de manutenção de preços com paridade internacional pela principal agente do mercado de combustíveis do país se faz importante para o incentivo da entrada de atores privados no mercado do refino.
Nesta perspectiva encampada pela atual gestão da Petrobras, o caráter estatal da empresa é atrofiado, enquanto sua face privada, com, inclusive, pouca preocupação para sua função social, é amplificada.
A FUP e os sindicatos vêm realizando uma série de ações, explicando para a população que a disparada do preço dos combustíveis não está relacionada ao fato da Petrobras ser uma estatal, como querem fazer pensar o governo, alguns veículos de imprensa e os grupos que defendem a privatização da empresa. Como é a política de preços de combustíveis nos países que têm grandes estatais produtoras de petróleo?
O argumento que se apresenta é que, por se tratar de uma commodity, o petróleo e seus derivados deveriam seguir a lógica dos preços internacionais. Isso faria sentido se o Brasil fosse dependente exclusivamente de petróleo e derivados importados, o que não é o caso. Quando se olha para a experiência internacional, observa-se que outros países produtores se utilizam de instrumentos fiscais, das exportações de petróleo e das empresas estatais para suavizar os repasses do preço internacional ao mercado interno. A Dinamarca, por exemplo, que produz em torno de 80% dos hidrocarbonetos que consome, lança mão de uma gestão fiscal-financeira e produtiva para estabelecimento de seus preços internos.
FONTE: FUP