À frente do Atelier Masōmī, ela propõe investigações da história e de técnicas autóctones, além de soluções sustentáveis
A revista Casa Vogue de outubro traz, na seção “Arquitetura”, uma reportagem imperdível com a arquiteta Mariam Issoufou Kamara. À frente do Atelier Masōmī, com sede no Níger, seu país de origem, ela tem chamado a atenção por propor em seus projetos investigações da história e de técnicas autóctones, aplicando, ainda, soluções sustentáveis.
Dentre os motivos que levaram Mariam a escolher a arquitetura, o gosto por desenho e ciência é um dos primeiros a citar. Mais jovem, no entanto, não conhecia profissionais do setor e, morando no Níger, no centro-oeste africano, não via oportunidades de trabalho. “Acabei não estudando, mas a ideia sempre ficou na minha mente”, relembra. “Continuei todas as minhas atividades artísticas, pintando e desenhando e, depois de um tempo, já como desenvolvedora de software, começou a ficar claro para mim o lugar da arquitetura na projeção psicológica de nós mesmos”, diz.
Essas lembranças parecem distantes ao considerar que hoje, aos 44 anos, Mariam é um dos nomes de destaque na profissão. Após formar-se em computação nos Estados Unidos, conseguiu seu diploma de arquitetura na Universidade de Washington e, em 2014, abriu as portas do Atelier Masōmī.
Ganhou prêmios, ergueu instalação para a Bienal de Arquitetura de Veneza deste ano, fez palestras em escolas como Harvard e MIT. Foi ainda nomeada professora de Patrimônio Arquitetônico e Sustentabilidade na ETH Zurique. No programa Mentor and Protégé, da Rolex, com o arquiteto britânico-ganês David Adjaye, desenvolveu um centro cultural para Niamey, capital do Níger, cujas obras se iniciam até o fim do ano. Está desenhando uma linha de mobiliário. E tem projeto em andamento também no Brasil: a Galeria Otobong Nkanga, próximo pavilhão a ser inaugurado no Instituto Inhotim, em Brumadinho, MG, segundo porta-vozes do museu. Mariam confirma que tem trabalho rolando no país, mas cobre os detalhes de mistério.
A trajetória bem-sucedida está entrelaçada a uma grande reflexão e prática sobre o fazer arquitetônico recente, que respeita a cultura e as necessidades regionais a partir de um resgate histórico, além de manter boas relações com a comunidade do entorno.
Em seu ateliê e em parcerias com outros arquitetos, levanta edificações que conversam com o que está ao redor, repletas de características sustentáveis. Tudo isso embalado em uma linguagem contemporânea. “Além de estar interessada em arquitetura para meus próprios esforços criativos, de repente enxerguei essa missão e coisas maiores em jogo”, revela.
Mariam vai contra imposições de formatos e estéticas vistas como “desenvolvidas” – herança da colonização –, além de materiais que não fazem sentido para lugares como o Níger. “Essa estética tem um custo muito alto para países como o nosso, que são alguns dos mais pobres do mundo”, pontua. “Reproduzi-la não é realista, se você deseja ter moradias suficientes e edifícios que não causem impacto.”
Apesar dos aspectos quase artesanais na produção da arquiteta, a tecnologia se faz presente, como no uso de desenhos paramétricos. Ela acredita que pode, ainda, implementar inteligência artificial, de forma educativa e para compartilhar conhecimentos. Cita o uso de desenhos computadorizados com instruções técnicas sobre tijolos de terra a pedreiros que não sabiam ler. “Tecnologia tem um lugar muito importante para o desenvolvimento. Mas não é tudo ou nada. Não se trata de soluções hipertécnicas e tecnológicas ou nada disso. Estou interessada em colocar as coisas onde elas fazem sentido.”