Privatização do saneamento: a história se repete

Por Yves Besse

Maio, 2017 – Em meados dos anos 1990, o governo federal implementou um programa de privatização de ativos federais visando reequilibrar suas contas. Nessa iniciativa, o governo federal vendeu ativos que geravam endividamento público como, por exemplo, as empresas da área de mineração e siderurgia.

Em paralelo, o governo federal adotou um programa de concessão de serviços públicos nas áreas de telefonia e de energia a partir de um modelo de venda de concessionárias públicas federais. O objetivo no curto prazo era obter recursos e diminuir o endividamento público. No longo prazo o objetivo era melhorar a qualidade dos serviços públicos a partir de contratos com metas de investimento e padrões de qualidade.

Na época, os dois programas se confundiram e não houve uma diferenciação entre o que era privatização e o que era concessão, chamando simplesmente tudo de privatização.

Dentro do mesmo programa de ajuste das contas públicas, o governo renegociou as dívidas dos Estados, mas exigiu em contra partida um programa de saneamento das suas finanças públicas a partir de um programa semelhante ao do governo federal: privatização de empresas estaduais e concessão de serviços públicos com a venda das Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESB). Essas tinham sido criadas nos anos 1970 e estavam debilitadas, tanto financeira quanto operacionalmente, e não cumpriam com suas obrigações com a população.

Se por um lado o programa federal foi considerado um sucesso, por outro a iniciativa de “privatização” das CESB foi um fracasso. O diagnóstico nos ensinou primeiramente que o saneamento, diferentemente de outras áreas da infraestrutura, contém um aspecto social muito intenso que mexe diretamente com a sensibilidade dos políticos, principalmente os populistas.

Com esse fracasso descobrimos também que os serviços de saneamento, apesar de serem prestados na sua maioria por empresas estaduais, eram serviços municipais. Assim sendo, sem o envolvimento dos municípios não seria possível privatizar as CESB e conceder os serviços. Percebeu-se então haver no saneamento uma complexidade maior que não poderia ser simplesmente resolvida a partir de um programa de ajuste de contas públicas. O saneamento necessitava uma política específica para enfrentar seus problemas.

Vinte anos depois vemos nova crise no país e desta vez tripla: financeira, política e ética. O governo federal decide lançar um programa de Parceria Para Investimento e novamente necessita vir ao socorro dos Estados que estão quebrados. Propôs renegociar suas dívidas com a mesma contrapartida: privatizar as CESB. Da mesma forma que 20 anos atrás, nomeia o BNDES como a instituição responsável por construir essa modelagem de concessão desestatização.

Parece que o governo tem memória curta e não percebeu seus erros. Não faz sentido reproduzir um modelo fracassado de 20 anos atrás sem levar em conta as lições apreendidas: o saneamento é municipal, ele é politizado ao extremo e não pode ser utilizado de forma a atender as necessidades financeiras do governo em detrimento das suas necessidades específicas.

Só espero que daqui 20 anos não tenhamos mais um programa de privatização das CESB inserido em um programa financeiro do governo.

Yves Besse é diretor geral de Projetos para América Latina da Veolia Water Technologies

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